domingo

7

abril 2013

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Black Alien e seus bichos

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foto: divulgação

Tinha tempo que Black Alien não fazia um show inteiro, só dele. Com o lançamento de seu segundo disco chegando, o rapper aceitou o convite do festival Sonoridades e encarou o palco do Oi Futuro, tendo como convidados Edi Rock (Racionais MCs), Flora Matos, Gabriel o Pensador e André Ramiro. Gente que gosta dele, o reverencia e ajudaram a deixar o ambiente mais familiar.

Dadas as circunstâncias um pouco tortas, numa casa sem história com o rap, para um público diferente do qual está acostumado a se apresentar, o retorno teve mais cara de aquecimento. Amplificando essa atmosfera, a maior parte do show foi baseado em músicas lançadas há quase 10 anos, em “Babylon By Gus Vol 1: O Ano do Macaco” e num formato bastante cru, sem banda, com apenas o MC e o DJ Pachu no palco, em clima de ensaio.

momentos do show: paper planes, duas músicas novas e papos com a platéia

O grande interesse do show, portanto, estava mais no que se passaria entre as músicas, nos papos improvisados de Black Alien com a platéia. Ou dele com ele mesmo, em voz alta e rimando, como é típico. Uma edição de vídeo só com essas partes daria um bom retrato do momento atual do rapper, uma ideia de seu momento de vida mais clara até que as novas letras, que ele tem tempo de fazer e refazer. O improviso é direto e é sincero.

“Ela é a Flora. Eu sou a fauna”, disse ao apresentar a convidada brasiliense.

“Não existe final feliz. Se é feliz como é final?”

“Não sem til agora é nao, tio”

Vindo de uma longa internação numa clínica de reabilitação, “agora é now mesmo” para Black Alien e ele quer fazer o melhor. Agitado, pediu diversos rewinds a Pachu para poder recomeçar a rimar quando errou – e a maior parte das vezes que errou foi por conta de loops pulando, por um defeito do controlador, de acordo com o DJ, prejudicado pelas muitas mudanças por segundo impostas pelo rapper.

Black Alien se disse nervoso algumas vezes e parecia não estar totalmente a vontade ou satisfeito, saindo diversas vezes do palco durante as apresentações dos convidados. Evitando os duetos improvisado, ainda que Edi Rock tenha puxado o microfone do seu bolso para pedir para ele cantar durante “Negro Drama”, Black Alien refugou, entre o respeito e a hesitação.

Não havia um repertório definido e Black Alien atendia os pedidos da plateia, inclusive por músicas novas. Do seu segundo disco, programado para sair em junho de acordo com ele próprio, “Babylon By Gus Vol. II: No Princípio era o Verbo”, mostrou “Jah na Contenção” e “Rolo Compressor”. A essas duas soma-se a já lançada oficialmente“Para Quem a Carapuça Caiba” e as que cantou em apresentações recentes: “Homem de Família”, “A Identidade É”, cacos e ideias e outras duas que já tinha prontas (mais um DVD que não sai). O que disso vai estar no disco ainda é um mistério, provavelmente até para ele.

Ao longo do show, Black Alien fez duas piadas leves sobre maconha e inclusive cantou “Cachimbo da Paz” com Gabriel O Pensador. Depois de tanto falar que não se juntou ao Planet Hemp nesse retorno exatamente por não querer exaltar drogas (“olha o que aconteceu comigo”, tem dito em entrevistas) pode soar contraditório. São mesmo as contradições que fazem a cabeça de Gustavo Black Alien ferver.

Existe um diferencial que faz o Mr. Niterói incontestavelmente o maior rimador do Brasil: Black Alien não rima magistralmente apenas palavras, rima assuntos. Fazendo curvas tão bruscas quanto imperceptíveis, ele junta tópicos improváveis. Modulando o vocal, pula do singjay para raggaman para o rapper em uma frase. Em português e em inglês.

O ouvinte é jogado de um tema para o próximo, variando entre assuntos gerais aos mais pessoais. Nenhuma música é “sobre alguma coisa”. As letras são amplas porquê Black Alien é levado pela palavra, não o contrário. A bem dizer, não são letras ou as reportagens comuns ao rap. São poemas declamados sobre batidas.

No Planet Hemp esse caráter fica ainda mais evidente. Suas entradas são sempre como uma decolagem, entortando o papo, um momento dub e viajante, onde em meio a uma música sobre queimar tudo até a última ponta ele fala sobre a guerra entre Cambódia e Laos.

Mais do que isso, ouvir Black Alien é fazer uma viagem para dentro da cabeça do Gustavo. Um lugar inquieto, com mil pensamentos passando e se cruzando a todo tempo. Gustavo absorve e armazena referências de todas as partes. Quem já esteve com Gustavo sabe bem disso. Ele fala rimando mesmo quando conversa, uma eletricidade que não para e não tem hora pra fluir.

O show de sexta acabou sem Black Alien no palco, ele saiu durante a última música e não voltou, cabendo aos convidados encerrar o show. No sábado foi mais complicado, a apresentação foi cancelada poucas horas antes já depois do horário marcado para o início, por motivo de saúde, sem maiores detalhes sendo divulgados.

Uma pessoa que pensa tanto está propensa a sentir o cérebro fritar. Não deve ser fácil domar a quantidade de associações, possivelmente inconscientes e involuntárias. Gustavo é um gênio (com tudo de bom e de ruim que isso traz), é tratado e, principalmente, cobrado como tal.

Enquanto muitos fãs perguntam o que aconteceu, não se pode esquecer: saúde mental também é saúde. Próximo dos 42 anos, é difícil não pensar no que poderia ter sido produzido por Black Alien nos últimos 10 anos, dos 32 até aqui, num período normalmente de imensa atividade criativa. A escolha foi esperar pra gravar de novo, porque “não tinha nada pra falar”.

Sem saber o que aconteceu com Black Alien, é difícil dizer qualquer coisa. Refém de sua própria genialidade, seu talento o empurra para os holofotes, mesmo quando talvez não sinta-se pronto ou à vontade. Entre tantas turbulências, sua maior inteligência pode residir em saber respeitar o próprio tempo.

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